Aquele deveria ter sido apenas mais um dia habitual, não fosse a inesperada presença de Lana. A encontrei cedo, não passava das seis da manhã quando bateu ela à minha porta. Ainda dormia quando a campainha foi tocada pela milionésima vez. Num pulo me vesti. Assustei-me quando vi Lana usando roupas rasgadas. O vestido floral, o qual sempre admirei, não passava de um trapo. Os cabelos emaranhados, cobertos por algo que não pude identificar de imediato, me deixou horrorizado. Ela não disse nada, apenas entrou calmamente e se sentou no sofá da sala.
Demorei a retornar a mim e ganhar coragem para perguntar a ela o que havia acontecido. Lana sempre fora enigmática e também dotada de uma calma extraordinária – desde o caminhar ao falar. Costumava a chamar de a presença. Pois não havia um encontro em que eu não me sentisse como que imerso nela, amplamente conectado – desde o primeiro momento. Lembro-me como se fosse hoje a primeira vez que a vi. Estava sentada em uma praça olhando atentamente para uma árvore. Em silêncio Lana admirava o vegetal alheia a qualquer movimento. Sentei em direção oposta a ela e lá fiquei, por quase uma hora, a encará-la. Em todo esse tempo não se movimentou, ficou ali apenas, admirada. Repito tanto esta palavra pois é a que melhor descreve o que presenciei.
Quando achei ter visto demais e resolvi, finalmente, dar de ombros, ela veio até mim. Ao perceber, ela já estava em pé bem diante de meus olhos apavorados. Nunca esquecerei deste momento. Abraçou-me e se limitou a dizer, antes de desaparecer em meio a multidão que ali se encontrava:
- Acho que você já viu o suficiente por hoje. Retorne amanhã, estarei lhe esperando.
Continuei sentado por um longo tempo até poder caminhar novamente e tentar retornar ao meu dia, o qual ainda seria ainda muito tumultuado. Lana me intrigou e capturou minha atenção com apenas uma frase e gesto algum. Por isso hoje ao vê-la neste estado e com tamanha calma estampada no rosto, acabo por admirá-la ainda mais.
- O que houve? – perguntei enquanto a abraçava.
Com aqueles olhos negros a ponto de deixar lágrimas brotarem disse:
- Nada além do esperado Antônio – levou minha mão ao seu peito – nada além do esperado.
- Lana.
Abracei-a o mais forte que pude enquanto ela desabava em lágrimas. Aquilo sim me intrigou. Aquela foi a primeira vez em que presenciei Lana chorando. Era o típico momento que nunca se imagina viver. Levei-a ao andar de cima, lhe entreguei uma toalha e esperei que se limpasse. Não quis interrogá-la de imediato. Contive minha curiosidade ao máximo dando a ela o tempo necessário.
Fui a cozinha preparar um chá de folhas de laranjeira - o preferido dela. Sempre o tinha, da melhor qualidade. Sempre fui adepto ao café, não poderia viver sem uma xícara nas mãos. Lana me ensinou a apreciar o que um chá poderia ter de melhor e desde então meu pequeno vicio em cafeína se desintegrou. Não só o vício, mas toda minha vida se modificou a partir daquele momento na praça. A partir do momento em que tive o primeiro contato com a bruxa Lana.
Houve um tempo em que a busca por algo que pudesse fazer diferença em minha vida fora meu objetivo diário. A incessante tarefa de encontrar algo que fizesse minha existência valer a pena. Corri de um canto para o outro na esperança de achar a matéria de minha vida. Como jornalista recém formado não via um futuro muito brilhante pela frente - até descobrir estar procurando pelas coisas erradas. Minha meta era escrever um livro, mesmo que o tema, a trama, nada estivesse em minha mente. Mas sabia que acharia a inspiração cedo ou tarde. Doce ilusão. Porém, encontrei em Lana o que se transformou em uma filosofia, em um estilo de vida.
Não era adepto a religiões. Admito, com certo pesar, que nem mesmo em Deus acreditava. Como um pedaço de carne ambulante construí minha vida baseado em paradigmas modernos. Deixei de lado toda e qualquer espiritualidade para viver um dia após o outro sem a necessidade de cultuar, ou mesmo, me vincular a ilusões antigas. Queria o mundo sem nem mesmo ter conquistado minha alma. Não diferente da maioria da população. Mas isso tudo mudou do dia pra noite. Ou melhor, de minha vida solitária, para minha vida com a presença de Lana.
A chaleira apitando me despertou. Preparei o chá seguindo todos os rituais que me foram ensinados. Separei a erva utilizando apenas o necessário, enquanto colocava a água com cuidado deixando a bebida tomar forma sem pressa. O aroma era estarrecedor. Viajava a cada preparo, me deixando vivenciar a transferência de energias ali contida.
- Imagino que esse chá esteja delicioso – disse Lana já puxando uma cadeira.
Estava ainda enrolada em uma toalha. Provocativa como sempre. Procurando me desvincular das cenas eróticas que se desenrolavam em minha mente, tomei um gole profundo do chá que acabara de preparar. Ela apenas sorria percebendo meu embaraço.
- Sente-se comigo – disse sem rodeios.
Entreguei-lhe a bebida e esperei por um início de conversa. Como de costume, bebemos em silêncio. Esse era um momento de paz, não havia necessidade alguma de interrupção. Minutos se passaram até o diálogo começar.
- Acho que você já está preparado Antônio para ir ao nível maior de entendimento – tomou o último gole – Venho lhe preparando durante todo o ano para algo muito além do que pode imaginar. De fato, sei que estou conectada a você como jamais estive com qualquer pessoa. Esse é o fato que me trás aqui hoje depois de tudo que me ocorreu. Não posso mais seguir sozinha.
Chorou.
- Antônio, meu querido. A bruxaria que lhe ofereci até hoje é pura. Porém, incompleta. Sei que acha estar muito melhor, mas ainda não terminamos. Há poderes muito além de sua compreensão. Há escolhas a serem feitas e decisões importantes a serem tomadas – Levantou e foi até a porta da cozinha. De costas continuou – tenho uma pergunta pra você.
Levantei, mas ela fez sinal pra que não o fizesse. Continuou:
- Você ainda tem seu pentagrama?
Levei a mão ao pescoço e o pingente de pentagrama havia sumido. Não entendi o que houve. Não o tirava para nada. Aquele era meu companheiro de cada dia. O ganhei de Lana meses antes. Quando me presenteou disse para que eu o mantivesse comigo, pois uma dia ele teria um significado.
- Não. Acho que o perdi – respondi temeroso.
- Não, você não o perdeu. Ele lhe foi roubado.
Minha surpresa foi ainda maior. Como poderia eu ter sido roubado se não deixo esse colar em canto algum. Trago-o sempre comigo. Mesmo no banho, na cama enquanto durmo, não o tiro.
- Lana o que você está dizendo?
Largou a toalha deixando seu corpo desnudo me atormentar. Em mãos tinha ela meu pentagrama.
- Venha, vamos para o quarto.
Excitei. Queria entender o que estava acontecendo, mas não resisti quando Lana se aproximou de mim e me beijou. Aquele beijo me desnorteou. Estava sob o comando dela. Não era mais o Antônio, mas sim o que ela desejasse que eu fosse. Entreguei-me aquela mulher de corpo e alma.
- Tudo se fará claro em breve meu querido. Por hora, mate a vontade imensa que tenho de você.
Continua...
Estou adorandoooo... é um prazer participar contigo deste projeto. Um beijo enorme!
ResponderExcluirParabéns.. muito muito bom mesmo!! Estarei sempre por aqui =D
ResponderExcluirBeijão
Blog maravilhoso...
ResponderExcluirAh! Que texto ótimo,conseguiu me prender do inicio ao fim.Estou aguardando os próximos episódios dessa história.
Bjos Amor
Dá pra se captar a essência mágica de Lana em tuas palavras, assim como dá pra sentir no tato a inocência de Antonio.
ResponderExcluirNão sei se és bruxos, mas me encantaste com este texto!
Parabéns.
Abençoado Seja!
Pura excitação traz esse grande inicio dessa prometida viagem.
ResponderExcluirDestino honrado que aproxima Antônio de Lana, que com seus mistérios ela nos envolve de tal maneira de já querermos conhece-la. Antonio se entrega...
o que faz se tornar um ser fantástico, que mesmo com seus temores, ele ainda segue.
Ahhh... que excelente viagem
Parabéns pela Obra
Muito bom esse texto e essa hitória, também criu e desenhos histórias, faço alguns quadrinhos. Aguardo pelos proximos capitulos. Parabéns e boa sorte nesse jornada.
ResponderExcluirDario Corrêa
Adoro esta sua magia de criar textos o qual me faz embarcar nesssa magia fantástica do seu eu imaginário.
ResponderExcluirBjs!!!
Eu também amei a história;sem contar que é bem estruturada e com uma linguagem muito bem colocada.
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