Não demorei muito pra chegar em casa. A pressa em continuar a leitura fez com que o caminho longo se tornasse nada. Não sabia ao certo se deveria ler tudo aquilo, ou mesmo se queria, mas a curiosidade passou a perna em qualquer sentimento de privacidade alheia. Coloquei na cabeça que Lana havia deixado a pasta e não a esquecido. Foi a maneira mais simples de tornar um ato displicente em algo tênue.
Ao chegar joguei-me no sofá, estava tomado por um cansaço incomum, incontrolável. Arrisco hoje dizer que aqueles olhos pesados iam muito alem de um desgaste físico - Algo como que imposto. Deixei a pasta ao meu lado e deixei minha mente viajar um pouco. Não sei ao certo se dormi ou tive minha primeira experiência astral. Mas de fato, algo aconteceu, algo intenso, profundo. Vi-me a beira de um lago em algum lugar totalmente desconhecido por mim. Um local de cores vibrantes. O verde parecia superar qualquer tonalidade que esta cor pudesse adquirir. A noite que se desenrolava, apesar de escura, permitia-me, com a ajuda da imensa lua cheia, enxergar tudo ao meu redor. Estava com os pés afundados na água rasa. Sentia a correnteza fraca e uma vontade incontrolável e banhar-me de corpo e alma – por algum motivo me contive. Estava maravilhado com a natureza ao meu entorno. Tudo tão vivo, tão sobrenatural. Algo que carregarei sempre comigo. Ouvi um barulho atrás de mim. Um agito entre a vegetação e a inquietude tomou conta de mim. Me virei com cautela, não queria de maneira alguma ser pego de surpresa. O que vi foi fascinante.
Aquele urso era imenso. Estava ele tomado por rugidos ferozes. Mas por incrível que pareça, não tive medo, de alguma maneira sabia que ele não iria me ferir. Foi quando ele finalmente se aquietou e deitou-se no chão que resolvi me aproximar. Toquei o animal sem receios. O pêlo era magnificamente macio e causa-me torrentes de sentimentos – montei. O urso correu entre a floresta rapidamente, numa velocidade anormal. Senti toda a floresta fundir-se a mim. O vento, a vegetação, a luz da lua, tudo parecia apenas um e eu estava incluso nesse todo. A viagem foi rápida. Paramos em frente a entrada de uma caverna – entrei. Havia lá vários caminhos a serem seguidos. Escolhi um deles e fiz meu caminho chegando a uma câmara secundária. Nesta sala havia apenas uma vela vermelha brilhando no centro iluminando intensamente as paredes rochosas. Sentei-me diante do artefato, fechei meus olhos e ali apenas fiquei até ouvir uma voz. Uma voz apenas, sem corpo, sem forma.
- O que buscas encontrarás aqui. As respostas serão suficientemente claras.
- O que buscas encontrarás aqui. As respostas serão suficientemente claras.
Concentrei-me. Deixei minha mente trabalhar. Todo o ocorrido com Lana, suas histórias, seus ensinamentos, sua incoerência, estavam fazendo uma festa em minha cabeça. Sentia-me o peão em tabuleiro de xadrez.
- Todo o caminho que trilhas-te fora marcado por atos inconclusivos. Toda tua vivência vem se fundindo a de outrem. Quando, em verdade, o que precisas está em ti gritando a todo instante para ser ouvido. Aquela a quem te prendes não pode suprir o que tu mesmo estás a deixar de lado. Viva Antônio. Abra teus olhos para a Deusa e acima disso, teu coração e tua alma.
- Todo o caminho que trilhas-te fora marcado por atos inconclusivos. Toda tua vivência vem se fundindo a de outrem. Quando, em verdade, o que precisas está em ti gritando a todo instante para ser ouvido. Aquela a quem te prendes não pode suprir o que tu mesmo estás a deixar de lado. Viva Antônio. Abra teus olhos para a Deusa e acima disso, teu coração e tua alma.
Abri meus olhos em busca daquela que comigo falava, mas nada encontrei além da vela praticamente derretida, lutando por um último suspiro. Levantei-me e com a ponta do dedo molhada em saliva a apaguei.
- Somente tu Antônio, pode vencer a dualidade que te aprisiona. Abrace os conhecimentos adquiridos e permita-se dar um passo a diante. Um passo que te guiará a algo muito maior e muito mais significativo.
- Somente tu Antônio, pode vencer a dualidade que te aprisiona. Abrace os conhecimentos adquiridos e permita-se dar um passo a diante. Um passo que te guiará a algo muito maior e muito mais significativo.
Acordei suado, literalmente molhado, encharcado. Estava eu na mesma posição que me encontrara ao deitar. Detive-me por um longo período a analisar o ocorrido. A visão do urso, a voz e todo o mais não saiam de minha cabeça - “buscar dentro de mim? O que diabos quer dizer isso”
Voltei a pensar em Lana e acabei por relembrar da pasta.
Querido Jorge,
Hoje finalmente encontrei o rapaz pelo qual estava buscando a tanto tempo. Fiz com que ele se interessasse por mim, chamei a atenção do rapaz facilmente. Senti nele uma energia a qual não via há tempos. Seria ele realmente a pessoa que a Deusa colocaria em meu caminho? Ainda não consigo entender o porque disso, mas sei que logo tudo se esclarecerá – como sempre. Em meus confrontos com o Lord tenho perdido força e buscado decifrar os enigmas os quais me foram lançados com força e dedicação. Mas é estranho como me faltam peças para este quebra-cabeça.
Quando encontrei os escritos, ou melhor, quando estes me foram confiados, sabia que embarcaria em uma viagem sem volta. Os ensinamentos contidos nos documentos antigos são vitais para a continuidade e modificação da maneira como cultuamos os Deuses. Já nas primeiras páginas as palavras pareceram me englobar, deixando-me a deriva de um turbilhão de descobertas e me fazendo questionar tanto daquilo que outrora aprendi. Há tanto tempo sigo o caminho da Deusa, a tanto tempo guio-me através de Seu amor que penso eu já não poder seguir sem ela. Ainda que agora esteja imersa em uma rede de intrigas e tomada por um desgaste emocional, não posso, de maneira alguma, esmorecer. Por hora deixo apenas que o caminho se faça diante de meus olhos atentos, enquanto tento passar para Antônio minhas experiências, na tentativa de despertá-lo. Junto dele sei que em breve decifrarei tudo que me foi fadado a descobrir,
Beijos, Alana
Jorge? Nunca Lana havia mencionado este nome. Fiquei a ponderar sobre a identidade desse homem e o que significaria ele para minha amada Lana. O ciúme bloqueou qualquer detalhe que pudesse estar contido na carta. Nem a menção ao meu nome pareceu importar quando havia descoberto um outro homem na vida de Lana. Minha mente fantasiou cenas eróticas entre os dois, a mesma cumplicidade a qual demorei tanto a adquirir para com ela, certamente, também ele a tinha. Foi então que lembrei das palavras que foram dirigidas na caverna e decidi continuar a leitura dando tudo de mim.
Alana,
O momento que enfrentas hoje é apenas o reflexo do que lhe foi destinado a viver. É nessa hora que precisas buscar forças para dar continuidade a nosso projeto. Confesso que não achei que seria tão rápido chegar até ele. Antônio – belo nome. Não imagino o que um rapaz cético possa nos oferecer, mas tuas visões são claras e absolutas. Precisamos dele imensamente.
Preciso lhe contar o que hoje descobri.
Estava em busca, em minhas leituras, de algo que fizesse sentido na seguinte passagem dos documentos:
“Quando o luar se for e já não houver mais nada além da escuridão, buscarás a luz necessária em tua alma, pois é lá que reside a maior de todas as virtudes. Sendo esta capaz de iluminar teu caminho como nem mesmo o Sol o faria.”
Acrescento esta:
“Ela veio a mim como um relâmpago, deixando evidente a necessidade de atenção. Ouvi Suas palavras com todo meu ser, abrindo-me para o infinito, acariciado com a cumplicidade e sinceridade de cada palavra proferida. Entretanto, pouco tempo se passou até a lua desaparecer deixando-me cercado por uma noite imensamente negra. Apavorado sucumbi ao medo desmaiando em demasiado torpor.”
Fiquei a ponderar estas passagens por um longo tempo Lana. Mas foi quando realmente dei de ombros que tudo veio a mim. Em minha sincera opinião, A principio me pareceu um absurdo, mas que outra conclusão poderia haver. Espero seu retorno. Estamos lidando com textos escritos por uma antiga civilização, talvez o único registro escrito sobre o culto à nossa amada Deusa.
Tenho estado ocupado, mas obviamente atento. Espero lhe encontrar em breve minha querida. No aguardo de seu retorno.
Jorge
Continuei a leitura noite a dentro. Cartas e mais cartas, porem nenhuma tão abeta quanto estas duas. As demais continham uma serie de códigos creio eu, entendido apenas pelos dois. Porém, algo ficou claro. Eu não estava sendo usado, mas sim, preparado para algo que nem mesmo Lana ou Jorge sabiam do que se tratava. Levei um susto com a ultima folha:
Antônio, meu querido
Faça o que lhe pedi. Volte ao passado, reveja meus ensinamento e descubra por si o que de fato nos interessa. Como já havia lhe dito, estarei ausente por uns tempos. Cuide-se e não deixe-se levar por nada. É provável que conheças Jorge muito em breve, talvez até mesmo antes de meu retorno. Por hora, aceite e confie em mim.
Beijos de tua bruxa Lana
Não agüentava mais tantas incógnitas, tantas pontas soltas, mas não podia ir contra um pedido de Lana e imediatamente comecei a por em ordem minha conturbada mente e decidi escrever, por em palavras minha trajetória até a noite em que iniciara a leituras das cartas. Não podia imaginar o que estava buscando, mas tentaria achar as respostas “dentro de mim”.
Continua (Segundo Capitulo: Antônio - nascimento para a Deusa)
Estou fascinado por esse Blog...
ResponderExcluirEste capítulo esta demais!Agora é só aguardar para ler o segundo >.<
Bjoss :**
espero ainda lhe ver na história da cultura literária brasileira. rs
ResponderExcluirvou tentar passar aqui sempre pra acompanhar a história. Parabéns!
Adoreiii!
ResponderExcluirCadê o resto????
Bjus
Muito bem Alexandre, não desista. Se há um dom, algo de magico, realmente especial em cada um de nós caminhantes nesta Terra. Confie que a sua magia esta nas palavras. Continue firme, sem distrações. Ahow
ResponderExcluirPs: Espero pelo termino do capitudlo para desenhar esses personagens.