Bem vindos ao blog!

Este blog é um projeto meu em parceria com uma grande amiga. Estamos construindo a história de Antônio e a bruxa Alana. Dois personagens enigmáticos que se encontram graças as forças do destino. Ambos estão em busca de algo oculto - a sabedoria pagã em seu mais alto nível. Postaremos semanalmente novos capítulos dessa história. Puxe uma cadeira e embarque conosco nessa incrível trajetória mística. Bem vindos ao Caldeirão da Bruxa. Alexandre C. Martins

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A terceira parte de No Caldeirão da Bruxa - O Mistério de Lana já foi postada, para ler as anteriores clique nos links abaixo.

No Caldeirão da Bruxa - O Mistério de Lana - Parte III

            Não demorei muito pra chegar em casa. A pressa em continuar a leitura fez com que o caminho longo se tornasse nada. Não sabia ao certo se deveria ler tudo aquilo, ou mesmo se queria, mas a curiosidade passou a perna em qualquer sentimento de privacidade alheia. Coloquei na cabeça que Lana havia deixado a pasta e não a esquecido. Foi a maneira mais simples de tornar um ato displicente em algo tênue.
Ao chegar joguei-me no sofá, estava tomado por um cansaço incomum, incontrolável. Arrisco hoje dizer que aqueles olhos pesados iam muito alem de um desgaste físico - Algo como que imposto. Deixei a pasta ao meu lado e deixei minha mente viajar um pouco. Não sei ao certo se dormi ou tive minha primeira experiência astral. Mas de fato, algo aconteceu, algo intenso, profundo. Vi-me a beira de um lago em algum lugar totalmente desconhecido por mim. Um local de cores vibrantes. O verde parecia superar qualquer tonalidade que esta cor pudesse adquirir. A noite que se desenrolava, apesar de escura, permitia-me, com a ajuda da imensa lua cheia, enxergar tudo ao meu redor. Estava com os pés afundados na água rasa. Sentia a correnteza fraca e uma vontade incontrolável e banhar-me de corpo e alma – por algum motivo me contive. Estava maravilhado com a natureza ao meu entorno. Tudo tão vivo, tão sobrenatural. Algo que carregarei sempre comigo. Ouvi um barulho atrás de mim. Um agito entre a vegetação e a inquietude tomou conta de mim. Me virei com cautela, não queria de maneira alguma ser pego de surpresa. O que vi foi fascinante.

Aquele urso era imenso. Estava ele tomado por rugidos ferozes. Mas por incrível que pareça, não tive medo, de alguma maneira sabia que ele não iria me ferir. Foi quando ele finalmente se aquietou e deitou-se no chão que resolvi me aproximar. Toquei o animal sem receios. O pêlo era magnificamente macio e causa-me torrentes de sentimentos – montei. O urso correu entre a floresta rapidamente, numa velocidade anormal. Senti toda a floresta fundir-se a mim. O vento, a vegetação, a luz da lua, tudo parecia apenas um e eu estava incluso nesse todo. A viagem foi rápida. Paramos em frente a entrada de uma caverna – entrei. Havia lá vários caminhos a serem seguidos. Escolhi um deles e fiz meu caminho chegando a uma câmara secundária. Nesta sala havia apenas uma vela vermelha brilhando no centro iluminando intensamente as paredes rochosas. Sentei-me diante do artefato, fechei meus olhos e ali apenas fiquei até ouvir uma voz. Uma voz apenas, sem corpo, sem forma.
- O que buscas encontrarás aqui. As respostas serão suficientemente claras.
Concentrei-me. Deixei minha mente trabalhar. Todo o ocorrido com Lana, suas histórias, seus ensinamentos, sua incoerência, estavam fazendo uma festa em minha cabeça. Sentia-me o peão em tabuleiro de xadrez.
- Todo o caminho que trilhas-te fora marcado por atos inconclusivos. Toda tua vivência vem se fundindo a de outrem. Quando, em verdade, o que precisas está em ti gritando a todo instante para ser ouvido. Aquela a quem te prendes não pode suprir o que tu mesmo estás a deixar de lado. Viva Antônio. Abra teus olhos para a Deusa e acima disso, teu coração e tua alma.
Abri meus olhos em busca daquela que comigo falava, mas nada encontrei além da vela praticamente derretida, lutando por um último suspiro. Levantei-me e com a ponta do dedo molhada em saliva a apaguei.
- Somente tu Antônio, pode vencer a dualidade que te aprisiona. Abrace os conhecimentos adquiridos e permita-se dar um passo a diante. Um passo que te guiará a algo muito maior e muito mais significativo.

Acordei suado, literalmente molhado, encharcado. Estava eu na mesma posição que me encontrara ao deitar. Detive-me por um longo período a analisar o ocorrido. A visão do urso, a voz e todo o mais não saiam de minha cabeça - “buscar dentro de mim? O que diabos quer dizer isso”
Voltei a pensar em Lana e acabei por relembrar da pasta.

Querido Jorge,

Hoje finalmente encontrei o rapaz pelo qual estava buscando a tanto tempo. Fiz com que ele se interessasse por mim, chamei a atenção do rapaz facilmente. Senti nele uma energia a qual não via há tempos. Seria ele realmente a pessoa que a Deusa colocaria em meu caminho? Ainda não consigo entender o porque disso, mas sei que logo tudo se esclarecerá – como sempre. Em meus confrontos com o Lord tenho perdido força e buscado decifrar os enigmas os quais me foram lançados com força e dedicação. Mas é estranho como me faltam peças para este quebra-cabeça.
Quando encontrei os escritos, ou melhor, quando estes me foram confiados, sabia que embarcaria em uma viagem sem volta. Os ensinamentos contidos nos documentos antigos são vitais para a continuidade e modificação da maneira como cultuamos os Deuses. Já nas primeiras páginas as palavras pareceram me englobar, deixando-me a deriva de um turbilhão de descobertas e me fazendo questionar tanto daquilo que outrora aprendi. Há tanto tempo sigo o caminho da Deusa, a tanto tempo guio-me através de Seu amor que penso eu já não poder seguir sem ela. Ainda que agora esteja imersa em uma rede de intrigas e tomada por um desgaste emocional, não posso, de maneira alguma, esmorecer. Por hora deixo apenas que o caminho se faça diante de meus olhos atentos, enquanto tento passar para Antônio minhas experiências, na tentativa de despertá-lo. Junto dele sei que em breve decifrarei tudo que me foi fadado a descobrir,

Beijos, Alana

Jorge? Nunca Lana havia mencionado este nome. Fiquei a ponderar sobre a identidade desse homem e o que significaria ele para minha amada Lana. O ciúme bloqueou qualquer detalhe que pudesse estar contido na carta. Nem a menção ao meu nome pareceu importar quando havia descoberto um outro homem na vida de Lana. Minha mente fantasiou cenas eróticas entre os dois, a mesma cumplicidade a qual demorei tanto a adquirir para com ela, certamente, também ele a tinha. Foi então que lembrei das palavras que foram dirigidas na caverna e decidi continuar a leitura dando tudo de mim.

Alana,

O momento que enfrentas hoje é apenas o reflexo do que lhe foi destinado a viver. É nessa hora que precisas buscar forças para dar continuidade a nosso projeto. Confesso que não achei que seria tão rápido chegar até ele. Antônio – belo nome. Não imagino o que um rapaz cético possa nos oferecer, mas tuas visões são claras e absolutas. Precisamos dele imensamente.
Preciso lhe contar o que hoje descobri.
Estava em busca, em minhas leituras, de algo que fizesse sentido na seguinte passagem dos documentos:

Quando o luar se for e já não houver mais nada além da escuridão, buscarás a luz necessária em tua alma, pois é lá que reside a maior de todas as virtudes. Sendo esta capaz de iluminar teu caminho como nem mesmo o Sol o faria.”

Acrescento esta:

Ela veio a mim como um relâmpago, deixando evidente a necessidade de atenção. Ouvi Suas palavras com todo meu ser, abrindo-me para o infinito, acariciado com a cumplicidade e sinceridade de cada palavra proferida. Entretanto, pouco tempo se passou até a lua desaparecer deixando-me cercado por uma noite imensamente negra. Apavorado sucumbi ao medo desmaiando em demasiado torpor.”

Fiquei a ponderar estas passagens por um longo tempo Lana. Mas foi quando realmente dei de ombros que tudo veio a mim. Em minha sincera opinião, A principio me pareceu um absurdo, mas que outra conclusão poderia haver. Espero seu retorno. Estamos lidando com textos escritos por uma antiga civilização, talvez o único registro escrito sobre o culto à nossa amada Deusa.
Tenho estado ocupado, mas obviamente atento. Espero lhe encontrar em breve minha querida. No aguardo de seu retorno.

Jorge

Continuei a leitura noite a dentro. Cartas e mais cartas, porem nenhuma tão abeta quanto estas duas. As demais continham uma serie de códigos creio eu, entendido apenas pelos dois. Porém, algo ficou claro. Eu não estava sendo usado, mas sim, preparado para algo que nem mesmo Lana ou Jorge sabiam do que se tratava. Levei um susto com a ultima folha:

Antônio, meu querido

Faça o que lhe pedi. Volte ao passado, reveja meus ensinamento e descubra por si o que de fato nos interessa. Como já havia lhe dito, estarei ausente por uns tempos. Cuide-se e não deixe-se levar por nada. É provável que conheças Jorge muito em breve, talvez até mesmo antes de meu retorno. Por hora, aceite e confie em mim.

Beijos de tua bruxa Lana

Não agüentava mais tantas incógnitas, tantas pontas soltas, mas não podia ir contra um pedido de Lana e imediatamente comecei a por em ordem minha conturbada mente e decidi escrever, por em palavras minha trajetória até a noite em que iniciara a leituras das cartas. Não podia imaginar o que estava buscando, mas tentaria achar as respostas “dentro de mim”.

Continua (Segundo Capitulo: Antônio - nascimento para a Deusa)

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A segunda parte de No Caldeirão da Bruxa - O Mistério de Lana já foi postada. Para ler a primeira parte clique aqui!

O mistério de Lana - Parte II

Acordei tranquilamente. Não havia uma parte de meu corpo que não estivesse amplamente revigorada. Já me era possível ver, por entre as frestas da janela, o sol magnífico que lá fora brilhava. Tomado por um contentamento instantâneo quase levantei, mas o leve frio matinal me fez mudar de idéia e me enrolar ainda mais nas cobertas. Virei-me para lado em busca do corpo de Lana para me entrelaçar, mas como era de praxe, ela já havia, sorrateiramente, se embrenhado noite a dentro em sua fuga silenciosa. Tal atitude já era esperada. Fora assim em todas as outras vezes, não haveria de ser diferente agora. Porém desta vez aquilo me irritou profundamente. Esperava acordar e receber respostas. Naquela manhã, porém, havia um bilhete na cômoda:

Antônio,
Você, meu querido, está obviamente sedento por explicações. Digo que não as tenho todas, mas as que possuo lhe serão de grande valia – em breve. Encontre-me às 20h na Praça da Figueira. Vista-se de branco e venha. Apenas faça o que lhe peço.
Sua bruxa Lana.
PS: belo desempenho.

Não pude conter o sorriso ao ler o recado final. É típico de Lana fazer comentários soltos. Nunca voltaríamos a falar daquela noite, bem como sempre o fizemos. Entretanto, largar uma frase ao vento era sua assinatura. O último recado fora algo do tipo: “Na próxima esquecerás o mundo”. Convenhamos, Lana não passava despercebida em lugar algum. Quando a tenho em meus braços sempre deixo o mundo lá fora – não há espaço para qualquer outra coisa.
Passei o dia em função do que estaria por vir. Não consegui escrever nenhum dos textos dos quais estavam planejados. Mal pude comer, pra ser sincero. Pensava apenas nela e no que teria para me dizer. E assim o dia passou lentamente. Antes de sair certifiquei-me de tomar um banho de ervas pra me acalmar e também me livrar da sensação de paixão a qual bombardeava meu coração com lampejos de desejo. Segui em frente, temeroso e ao mesmo tempo excitado.
Cheguei pouco antes das oito no local combinado e nem um sinal de Lana. Sentei-me e aguardei. Não demorou muito para ela dar as caras. Chegou vestindo um vestido azul claro, os cabelos negros soltos nas costas. Em mãos tinha ela alguns livros e uma pasta florida de plástico. Sentou-se ao meu lado sem cerimônia e desatou a falar:
Não tenho muito tempo então vamos direto ao assunto – disse ela sem nem mesmo me olhar – Antes de ir para sua casa tive uma sensação estranha. Uma sensação de perseguição. Havia algo mais em meu quarto além de mim e minhas roupas estavam espalhadas. Havia algo no ar que não estava certo. Sentei-me um pouco e esperei, atenta a qualquer detalhe. Foi quando, num único segundo, ele apareceu pra mim.
Respirou, olhou para a pasta e a abriu. Sempre apressada. Nunca a vi assim e isso começou a de fato me incomodar. Certamente algo muito sério acontecera e eu mal podia esperar para descobrir do que se tratava e ainda, quem seria “ele”.
Antônio, olhe para esta foto e me diga. Já viu este homem antes?
Olhei atentamente para o retrato sem saber ao certo o que procurar. O homem tinha cabelos curtos e loiros. Olhos verdes, expressão séria e impassível. Tentei encontrar traços conhecidos, mas nada ali parecia familiar. Demorei um tempo nesse exercício o qual julguei inútil num primeiro momento.
Lana, sinceramente, nunca vi esse cara antes. Quem é?
Não me respondeu. Apenas entregou-me a fotografia e fez menção, sem me dirigir palavra alguma, de que olhasse com mais atenção. Aquilo me irritou. Tive que me conter para nada dizer. Conhecendo Lana como conheço, sabia bem que não deveria enfrentá-la em hipótese alguma. Obedeci exatamente como ela esperava que o fizesse.
Quando já estava pra desistir dei-me conta de algo o qual havia deixado passar – por pura estupidez e preguiça. Eu já havia visto aquele homem, mas ainda não conseguia lembrar de onde exatamente. Forcei minha mente em busca de tal encontro ou vislumbre sem muita sorte.
Lana. Sim eu já o vi. Mas agora não consigo chegar a um consenso sobre o local ou circunstância.
Ele é conhecido como Lord Von Tren. É um bruxo da alta magia. Tem um bando de seguidores e ainda a fama de fazer o que bem entende sem que nada ou ninguém fique em seu caminho.
Retirou da pasta uma nova foto e a exibiu com olhar inquisitivo. Tornei a me concentrar. E por incrível que tenha me parecido, de cara lembrei do homem. Estava em uma livraria dias atras procurando uma edição do livro Entrevista com o Vampiro para presentear Lana. Na sessão de literatura estrangeira dei de cara com o Lord. Ele me olhou de cabo a rabo, o que me deixou desconfortável a princípio. Continuei na busca até que ele falou algo:
Seria melhor um livro menos fictício não concorda?
Virei-me para ele com um ponto de interrogação estampado na cara. Continuou ele:
Não fique intrigado, sou perceptivo e posso lhe garantir que esse não é o presente ideal – deu de costas e começou a caminhar para a saída – a princípio, não chegarão lá.
Como de costume avaliei que seria apenas um louco. Um olhar mais apurado teria percebido o que se desenrolava diante de mim. Mas a desatenção é o pior de meus defeitos. E hoje percebi que pagaria por isso.
Meu garoto bobo, Quando vai aprender a prestar atenção com o que lhe ocorre?
Lana falou sem reprovações, havia um certo carinho em suas palavras. Um afago ao mesmo tempo que um apelo. Isso não mudaria, é algo incrustado em meu ser. Por mais que tente, serei sempre o desatento compulsivo.
Precisamos nos defender e você precisa aprender a lutar. Foi o Lord quem veio a mim na noite em que apareci naquele estado deplorável em sua casa. Senti a presença dele, ou melhor, da energia, da magia a qual ele estava fazendo uso. Quando dei-me por conta o Lord já estava agindo. Desfez minhas roupas em pedaços e num minuto já não estava mais ali.
Fez uma pausa. Nesse meio tempo não ousei dizer qualquer palavra, aguardaria o tempo que fosse. Reparei que não havia mais um olhar triste ao tocar no assunto. Ela estava forte e decidida. Agora era hora de agir. Continuou:
Preciso lhe contar um segredo Antônio. Talvez pode me odiar, ou ainda me culpar por tudo que ainda está por vir, mas é necessário esclarecer tudo de uma só vez – pegou minha mão enquanto encarava-me quase que em suplica – eu vim até você, não foi o contrário. Sei que pensou ter-me encontrado, mas eu já estava atras de você há um bom tempo. Você, meu querido, está em meu destino. Você nasceu para lutar ao meu lado contra pessoas como o Lord. Seu potencial é fantástico, mas você ainda não se abriu para a magia, ainda a encara como brincadeira. Tudo o que existe está muito além do que eu mesma posso te ensinar.
Lana você está me deixando confuso – limitei-me a esta frase. Pareceu-me o mais apropriado.
Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa senti um calafrio. Levantei-me num susto e procurei por algo – nada. Lana me abraçou e esta foi a última coisa naquela praça. Como que sugado por algo e me vi em outro lugar.
- Veja bem meu querido, as coisas se farão claras na hora certa. Esse homem não está atrás de mim, mas sim tentando nos impedir de alcançar nosso objetivo maior. Nosso crescimento espiritual e intelectual. E ele tem inúmeros motivos para odiar nossos avanços. Por hora acredite em mim. Está na hora de avançarmos em nossa caminhada.
Sabia que ela não me daria mais informações, a típica saída pela tangente. Aprendi a lidar e aceitar tal coisa há tempos.
- E agora como ficamos? – falei tentando ser o mais tranqüilo possível.
- Agora eu tenho que ir. Porém nos encontraremos em breve – retirou do bolso meu pentagrama – volte a usá-lo. Logo lhe explicarei como ele veio parar em minhas mãos. Estarei ausente por uns dias. Quando voltar lhe procurarei de imediato. Por hora peço que concentre-se em tudo que já lhe ensinei. Como numa retrospectiva, afogue-se no passado. O seu futuro depende disso.
Saiu as pressas sem olhar pra trás e novamente ali fiquei com cara de tacho. “Ora, novidade”.  Quando pensava em sair dali percebi que Lana havia esquecido a pasta que trouxera consigo. Não resisti a curiosidade e dei cabo a folhear os papeis ali contidos. Pra minha surpresa, a seqüência de folhas era uma narrativa intitulada “No caminho da Magia”. Ali mesmo comecei a leitura e era como se Lana estivesse a falar ao pé de meu ouvido.
Não sabia ao certo se deveria continuar, mas a vontade falou mais alto calando qualquer outro sentimento avesso.
Continua ...

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O mistério de Lana - Parte I

 
Aquele deveria ter sido apenas mais um dia habitual, não fosse a inesperada presença de Lana. A encontrei cedo, não passava das seis da manhã quando bateu ela à minha porta. Ainda dormia quando a campainha foi tocada pela milionésima vez. Num pulo me vesti. Assustei-me quando vi Lana usando roupas rasgadas. O vestido floral, o qual sempre admirei, não passava de um trapo. Os cabelos emaranhados, cobertos por algo que não pude identificar de imediato, me deixou horrorizado. Ela não disse nada, apenas entrou calmamente e se sentou no sofá da sala.
Demorei a retornar a mim e ganhar coragem para perguntar a ela o que havia acontecido. Lana sempre fora enigmática e também dotada de uma calma extraordinária – desde o caminhar ao falar. Costumava a chamar de a presença. Pois não havia um encontro em que eu não me sentisse como que imerso nela, amplamente conectado – desde o primeiro momento. Lembro-me como se fosse hoje a primeira vez que a vi. Estava sentada em uma praça olhando atentamente para uma árvore. Em silêncio Lana admirava o vegetal alheia a qualquer movimento. Sentei em direção oposta a ela e lá fiquei, por quase uma hora, a encará-la. Em todo esse tempo não se movimentou, ficou ali apenas, admirada. Repito tanto esta palavra pois é a que melhor descreve o que presenciei.
Quando achei ter visto demais e resolvi, finalmente, dar de ombros, ela veio até mim. Ao perceber, ela já estava em pé bem diante de meus olhos apavorados. Nunca esquecerei deste momento. Abraçou-me e se limitou a dizer, antes de desaparecer em meio a multidão que ali se encontrava:
- Acho que você já viu o suficiente por hoje. Retorne amanhã, estarei lhe esperando.
Continuei sentado por um longo tempo até poder caminhar novamente e tentar retornar ao meu dia, o qual ainda seria ainda muito tumultuado. Lana me intrigou e capturou minha atenção com apenas uma frase e gesto algum. Por isso hoje ao vê-la neste estado e com tamanha calma estampada no rosto, acabo por admirá-la ainda mais.
- O que houve? – perguntei enquanto a abraçava.
Com aqueles olhos negros a ponto de deixar lágrimas brotarem disse:
- Nada além do esperado Antônio – levou minha mão ao seu peito – nada além do esperado.
- Lana.
Abracei-a o mais forte que pude enquanto ela desabava em lágrimas. Aquilo sim me intrigou. Aquela foi a primeira vez em que presenciei Lana chorando. Era o típico momento que nunca se imagina viver. Levei-a ao andar de cima, lhe entreguei uma toalha e esperei que se limpasse. Não quis interrogá-la de imediato. Contive minha curiosidade ao máximo dando a ela o tempo necessário.
Fui a cozinha preparar um chá de folhas de laranjeira - o preferido dela. Sempre o tinha, da melhor qualidade. Sempre fui adepto ao café, não poderia viver sem uma xícara nas mãos. Lana me ensinou a apreciar o que um chá poderia ter de melhor e desde então meu pequeno vicio em cafeína se desintegrou. Não só o vício, mas toda minha vida se modificou a partir daquele momento na praça. A partir do momento em que tive o primeiro contato com a bruxa Lana.
Houve um tempo em que a busca por algo que pudesse fazer diferença em minha vida fora meu objetivo diário. A incessante tarefa de encontrar algo que fizesse minha existência valer a pena. Corri de um canto para o outro na esperança de achar a matéria de minha vida. Como jornalista recém formado não via um futuro muito brilhante pela frente - até descobrir estar procurando pelas coisas erradas. Minha meta era escrever um livro, mesmo que o tema, a trama, nada estivesse em minha mente. Mas sabia que acharia a inspiração cedo ou tarde. Doce ilusão. Porém, encontrei em Lana o que se transformou em uma filosofia, em um estilo de vida.
Não era adepto a religiões. Admito, com certo pesar, que nem mesmo em Deus acreditava. Como um pedaço de carne ambulante construí minha vida baseado em paradigmas modernos. Deixei de lado toda e qualquer espiritualidade para viver um dia após o outro sem a necessidade de cultuar, ou mesmo, me vincular a ilusões antigas. Queria o mundo sem nem mesmo ter conquistado minha alma. Não diferente da maioria da população. Mas isso tudo mudou do dia pra noite. Ou melhor, de minha vida solitária, para minha vida com a presença de Lana.
A chaleira apitando me despertou. Preparei o chá seguindo todos os rituais que me foram ensinados. Separei a erva utilizando apenas o necessário, enquanto colocava a água com cuidado deixando a bebida tomar forma sem pressa. O aroma era estarrecedor. Viajava a cada preparo, me deixando vivenciar a transferência de energias ali contida.
- Imagino que esse chá esteja delicioso – disse Lana já puxando uma cadeira.
Estava ainda enrolada em uma toalha. Provocativa como sempre. Procurando me desvincular das cenas eróticas que se desenrolavam em minha mente, tomei um gole profundo do chá que acabara de preparar. Ela apenas sorria percebendo meu embaraço.
- Sente-se comigo – disse sem rodeios.
Entreguei-lhe a bebida e esperei por um início de conversa. Como de costume, bebemos em silêncio. Esse era um momento de paz, não havia necessidade alguma de interrupção. Minutos se passaram até o diálogo começar.
- Acho que você já está preparado Antônio para ir ao nível maior de entendimento – tomou o último gole – Venho lhe preparando durante todo o ano para algo muito além do que pode imaginar. De fato, sei que estou conectada a você como jamais estive com qualquer pessoa. Esse é o fato que me trás aqui hoje depois de tudo que me ocorreu. Não posso mais seguir sozinha.
Chorou.
- Antônio, meu querido. A bruxaria que lhe ofereci até hoje é pura. Porém, incompleta. Sei que acha estar muito melhor, mas ainda não terminamos. Há poderes muito além de sua compreensão. Há escolhas a serem feitas e decisões importantes a serem tomadas – Levantou e foi até a porta da cozinha. De costas continuou – tenho uma pergunta pra você.
Levantei, mas ela fez sinal pra que não o fizesse. Continuou:
- Você ainda tem seu pentagrama?
Levei a mão ao pescoço e o pingente de pentagrama havia sumido. Não entendi o que houve. Não o tirava para nada. Aquele era meu companheiro de cada dia. O ganhei de Lana meses antes. Quando me presenteou disse para que eu o mantivesse comigo, pois uma dia ele teria um significado.
- Não. Acho que o perdi – respondi temeroso.
- Não, você não o perdeu. Ele lhe foi roubado.
Minha surpresa foi ainda maior. Como poderia eu ter sido roubado se não deixo esse colar em canto algum. Trago-o sempre comigo. Mesmo no banho, na cama enquanto durmo, não o tiro.
- Lana o que você está dizendo?
Largou a toalha deixando seu corpo desnudo me atormentar. Em mãos tinha ela meu pentagrama.
- Venha, vamos para o quarto.
Excitei. Queria entender o que estava acontecendo, mas não resisti quando Lana se aproximou de mim e me beijou. Aquele beijo me desnorteou. Estava sob o comando dela. Não era mais o Antônio, mas sim o que ela desejasse que eu fosse. Entreguei-me aquela mulher de corpo e alma.
- Tudo se fará claro em breve meu querido. Por hora, mate a vontade imensa que tenho de você.

Continua...